César Brunetti, antes que eu me esqueça

Eu não conheci César Brunetti pessoalmente. Mas, parece que ele sempre estava por perto e que a qualquer momento eu o conheceria. Eu sempre estava nas rodas de compositores que tiveram muito contato com ele, seja da época dos festivais de música, no fim dos anos 1970 e nos 80, seja na turma da publicidade paulistana.

O fato é que César Brunetti partiu sem alarde algum. A ponto de amigos muito chegados se darem conta de sua passagem dias depois, meses, ao passo que outros ainda nem descobriram que ele se foi. Por isso, este é um post mutante. Contribuições serão bem vindas e acrescentadas.

Sem pretensões jornalísticas e sujeito a erros de nomes e datas, tento aqui, como compositor, lançar luz sobre a obra deste autor de construções poéticas intrincadas e inspiradoras.

Brunetti se foi no dia 13 de agosto de 2015. A imprensa, alheia ao que não é do seu meio, não noticiou. Ficaram uns poucos registros de amigos de longa data como Jean Garfunkel, um belo escrito de Juca Novaes no Facebook, replicado na Revista Música Brasileira, e outro belo texto do Carlos Castelo para seu blog no Estadão, já cinco dias depois de sua partida.

Mas quem foi César Brunetti?

Não sei ao certo. Só sei dizer que, no alto dos meus 11 anos de idade, fiquei encantado com o dono dos versos que misturava espanhol e português em um tango que descambava pra batucada no MPB Shell de 81. A canção chegou à final e não mais que isso. Era Tango à Brasileira. Pode ser encontrada no Youtube e curtida aqui mesmo:

Esse festival trazia os primórdios de muita gente boa da MPB como Lenine, Marina Lima, Quinteto Violado, Renato Teixeira. Enfim, uma lista imensa e muito boa de um tempo de festivais  televisivos que não se repetiriam por muito mais tempo.

De raridades, nada pode ser mais rara que esta que o Juca Novaes me indicou, Erros do Descobrimento.

Ainda na cola do Brunetti, topei com o LP Trocando Figuras em que ele dividiu faixas com Jean e Paulo Garfunkel e com o não menos genial Celso Viáfora. Nesse disco, César Brunetti repetiu Tango à Brasileira e incluiu a genial Break Tupinikim, Carro da Polícia e Terra de Cego.

Busque tudo, mas ouça Break Tupikim aqui mesmo:

Ali no ano de 86, Brunetti chegou a beliscar o sucesso. Além do Trocando Figuras, a sua belíssima “Operário Padrão” foi gravada por Elizeth Cardoso. Posteriormente viria a ser gravada pelo Juca Novaes. Esta sobreviverá. O mesmo coração que o levou, o resgata.

Teve até uma canção sua, em parceria com o grande Zé Rodrix e gravada pelo grupo Fundo de Quintal, que foi incluída na novela Cambalacho:

Outra canção de letra inusitada é Lua de Ontem, gravada por Miriam Batucada e também pelos Trovadores Urbanos, no CD Canções Paulistas, de 2000.

Na minha veia de escafandrista de internet, encontrei Lua de Ontem,  extraída de um vinil bem gasto. Mas, talvez até por isso mesmo, muito linda de se ouvir.

A verve humorística de César Brunetti

O humor é coisa de gênios e área reservadíssima a poucos. O Língua de Trapo talvez tenha sido quem mais lançou luz sobre a obra humorística do Brunetti gravando Polca Duca, Tudo para o Paraguay, O Pombo e Sinfonia do Trânsito.

E teve ainda Ary Toledo – naquele farto ano de 86 –  com as já citadas Polca Duca e Carro da Polícia, já revelando a forte inclinação satírica do compositor.

Publicitário premiadíssimo

O sucesso de público não veio e, como normalmente ocorre, a crítica  especializada ignora solenemente os compositores. No fim dos anos 1980 pra começo dos 90, Cesar Brunetti voou para o filé da publicidade, pelas mãos de Sérgio Campanelli da produtora MCR.

Na publicidade Brunetti brilhou e nem vou tentar discorrer muito. Vou apenas colar um pouco de Wikipedia para citar alguns dos seus jingles geniais.

Jingles, vocês sabem, nunca são assinados pelo autor. Geralmente é um trabalho feito a várias mãos, mas não duvido da forte verve criativa do César Brunetti conduzindo os tais sucessos mas, façamos justiça que o timaço da MCR que assina este jingle – César Brunetti, Lino Simão, Mauricio Novaes, Sergio Campanelli e Sérgio Mineiro – eram talvez a referência maior em música publicitária dos anos 90.
Pipoca com Guaraná fez tanto sucesso que ganhou uma versão especial para o carnaval de 1992 que pode ser vista neste link.

A original você curte por aqui mesmo. Não esqueça de dar uma googlada em Pizza com Guaraná.
Encontrei o mega sucesso Bichinhos Parmalat  com incríveis 800 mil views no Youtube e nenhuma referência aos autores. Uma pena, a memória vai se perdendo pela fúria de conteúdo anônima da internet. Brunetti era analógico.

“Brunetti é o compositor do premiado jingle Pipoca e guaraná e Pizza com Guaraná. Ele compôs ainda o jingle dos comerciais dos bichinhos da Parmalat (O elefante é fã de Parmalat / O porco cor-de-rosa e o macaco também são) e a canção-tema da primeira campanha vencedora de Fernando Henrique Cardoso à presidência (Tá na sua mão, na minha mão, na mão da gente / Fazer de Fernando Henrique nosso presidente)[1].”( trecho extraído da Wikipedia”

Os prêmios vieram aos montes. Em 93 e 94 venceu o VII Prêmio Produção Brasil e o VIII Prêmio Produção Brasil. Deve ter vencido mais, gente da área pode provocar mais edições neste post.

O grupo Cadafalso

Parece uma ironia do destino, mas na discografia oficial do Brunetti não consta discos solos. Parece uma ironia do destino, mas na discografia oficial do Brunetti não consta discos solos. Tão improvável que encontrei a R$ 7,00 no Mercado Livre.

O que consta e é muito bem vindo, é um o CD do grupo Cadafalso. Time formado com os amigos da publicidade, o casting da MCR. Entre eles, o produtor Maurício Novaes.

 O time era Brunetti, Maurício Novaes, Márcio Werneck e Lino. Só craques da publicidade e a extensa e golden list de músicos participantes.

Ainda que não seja um registro preciso da genialidade do compositor, o disco ao menos traz um bom lote de 11 gravações de um pouco do seu cancioneiro. Ouça no Youtube.

César Brunetti no Boldrin

Em 2013, Rolando Boldrin recebeu César Brunetti no Sr. Brasil. Esta é a única vez que vi César Brunetti conversando. Até então eu só havia tido o encantamento de curtir suas canções de rimas inusitadas.

Um belo momento para se ouvir outra inédita: Panela no Fogo.

E tem O Trânsito!

César Brunetti entre outras

Ainda tive o prazer de topar com mais uma canção genial do Brunetti. Foi em um Reveillon na casa do compositor Celso Viáfora em que sua esposa, Eliane Viáfora, cantou os versos de Bolero Lero. Essa eu não achei registro. A própria Eliane talvez seja a única guardiã desta preciosidade, pois não encontrei qualquer amigo do Brunetti que tenha sua obra em acervo, só uma ou outra gravações, pinçadas raras aqui e ali. Inéditas como esta então, nem pensar. Se perderão no tempo.

César Brunetti não era o revolucionário da música. Não desses que os jornalistas mirins de hoje em dia gostam de aclamar e de “genializar” a fórceps, mareta e bigorna. Fazia a clássica canção brasileira que transita entre polcas, sambas, rocks e outros ritmos tão antigos quanto imprescindíveis na formação do bom gosto musical. Falava um caipirês fluente, nem parecia um paulistano legítimo.

O fato é que os letristas de construções perfeitas entraram em extinção depois de três décadas de predomínio do gosto da indústria fonográfica que fabrica e sepulta ídolos o tempo todo. Talvez não sejam raros, mas escondem-se como se escondeu César Brunetti em seus últimos anos, diante da fúria massacrante do mercado da música pasteurizada.

Falam que tinha uma personalidade controversa e não se alongam. Uns dizem que tinha problemas na família, mas ninguém diz o que eram ou quais e pra falar a verdade, não é o que esteja em pauta aqui.

Eu da minha pequenez de compositor sempre em busca de ser surpreendido, posso dizer que durante os últimos 30 e poucos anos fui surpreendido pelas canções do Brunetti muitas e muitas vezes.

Não me surpreenderia também se aparecesse uma notícia do tipo, “Por onde anda César Brunetti”. Eu responderia: -Caminha pelos palcos celestes entre Zé Rodrix, Noel Rosa, Cartola, Vinícius…

E por último e não menos importante, antes que eu me esqueça, as 5 canções do Brunetti que consegui achar no Spotify. Muito pouco para o seu enorme talento.

Escrito por Sonekka, editado por Gilvandro Filho

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